FOTO: TERESA BOTELHO
O Oásis era só um gato que nasceu com a coluna vertebral deformada, num hotel em Cabo Verde. Foram 12 anos de ternura, até à nossa despedida num dia quente de Junho de 2021, e confesso que todas as noites ainda aguardo a sua patinha procurando a minha mão.
“Que nojo e que incómodo, vê-lo arrastar-se junto à piscina, com as feridas cheias de moscas, pingando urina no empedrado e vasculhando alguma comida, entre o lixo derrubado dos caixotes”.
Já o tinham condenado à morte, mas os jardineiros tardaram e ele lá se foi arriscando, dia após dia, talvez porque ouviu algures a palavra “esperança ” e acreditou nela. Diz-se que os gatos pressentem as coisas, talvez porque possuem uma energia especial que os faz ver longe e acredito que sim, porque no primeiro dia das minhas férias na ilha do Sal, ele aguardava-me, à porta do meu quarto, com uns olhos verdes escancarados que se fixaram nos meus, da mesma cor, achado-os talvez familiares.
E foi aí que eu aprendi que as diferenças não existem, mesmo quando se trata apenas de um gato.
Durante a minha semana de férias, conheci gente como eu. Chamámos-lhe Oásis, porque o seu olhar meigo, era como um lago de águas mansas que nos enchia os corações.
Limpámos-lhe as feridas, demos-lhe alimento e encontrámos até uma veterinária que tentou tratá-lo, com o pouco que um pequeno consultório veterinário africano tinha, perante uma condição física irreversível como a dele.
Ficámos contudo a saber que sem vacinas e outras burocracias, seria impossível trazê-lo para Portugal, mas abandonar o Oásis à sua sorte, seria uma traição imperdoável que colocaria para sempre uma mácula na minha consciência. Voltei para Portugal em lágrimas, sem deixar de lhe prometer ao ouvido que voltaria em breve por ele.
O Oásis ficou entregue a um casal, cujas férias se prolongaram mais uma semana que as minhas e com a promessa cumprida de que o deixariam depois, com alguém que o cuidasse, sob a vigilância da veterinária, até eu voltar.
Durante um mês, de forma menos ortodoxa e inconfessável, consegui a documentação para o ir buscar. Cheguei ao Sal de madrugada, com a mala carregada de latinhas, ração, remédios e um chip para lhe colocar lá, a fim de evitar a quarentena.
A empregada do hotel que ficara com ele, deixara-o numa caixa de cartão imunda, no lugar combinado e assim que me aproximei e o chamei, endireitou a cabeça, miando baixinho, como se me tivesse reconhecido.
Durante 3 dias, viveu no meu quarto, de banho tomado, barriga cheia e acho que adorou a viagem de avião até Lisboa, apesar de ter passado a alfândega escondido num saco para que não lhe vissem as feridas, a magreza e menos ainda a fralda imunda.
No dia da chegada, começou um tratamento intensivo. Diz-se que a esperança nunca morre, mas após todos os exames, ecografias, ressonância magnética, fisioterapia e acupuntura, o Oásis não recuperou a força nas patas traseiras para poder ficar de pé, andar e urinar normalmente.
De qualquer forma, o Oásis cooperou sempre, mostrando-me que era capaz de percorrer a casa com rapidez, usando a força das patas dianteiras, rejeitou a cadeira de rodas e ensinou-me que não precisava de usar fralda, se eu lhe pressionasse a bexiga para dentro da sanita 5 vezes ao dia e aprendesse o horário das suas necessidades.
Passaram os anos e o nosso conhecimento recíproco foi total. O Oásis adivinhava os meus estados de alma e eu os dele. Passou a dormir ao meu lado, apertando a minha mão contra o seu peito, até de manhã e sabia de cor as nossas rotinas. Fez amizade com a cadela grandona e com os outros gatos da casa e muitas vezes o seu abraço foi para mim o remédio eficaz nos momentos menos felizes.
Foram 12 anos de ternura, até à nossa despedida num dia quente de Junho de 2021 e confesso que todas as noites ainda aguardo a sua patinha procurando a minha mão.
Jamais se podem esquecer os nossos maiores mestres, porque até um gato deficiente, nos pode dar as maiores lições de respeito, tolerância e igualdade. Obrigada, querido Oásis e até qualquer dia.
Por Teresa Botelho
Fonte: Sic Notícias / mantida a grafia lusitana original
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