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sexta-feira, 7 de agosto de 2020

Resistência à “seita ambiental” é alicerce do governo Bolsonaro

 

Por

 Dom Phillips (The Guardian) | Traduzido por Luna Mayra Fraga Cury Freitas 

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Presidente populista do Brasil não mostra sinais de que vai mudar suas políticas em relação à crise climática, apesar de enfrentar reações no país e no exterior

Não são apenas as empresas de carne no Brasil que estão sendo pressionadas em decorrência do aumento do desmatamento e dos incêndios generalizados na Amazônia. O governo foi forçado a reagir depois que investidores internacionais e presidentes (CEOs) de empresas brasileiras protestaram contra a destruição, e agora seus próprios funcionários ambientais se juntaram ao coro.

Mas a resposta do país é prejudicada por uma profunda desconfiança sobre aquecimento global, que é alimentada por uma ideologia de extrema-direita que reluta em admitir que a emergência climática tem uma causa humana.
O ministro das Relações Exteriores do Brasil, Ernesto Araújo, afirmou que a mudança climática foi um complô de “marxistas culturais” e o presidente Jair Bolsonaro fez uma promessa de campanha de tirar o Brasil do acordo climático de Paris, antes de ser obrigado a recuar, relutantemente, desta decisão.

A comunidade internacional revidou, com Jan Erik Saugestad, CEO da Storebrand Asset Management da Noruega, liderando um grupo de 29 investidores que juntos administram cerca de 3,7 trilhões de dólares. O grupo alertou que o aumento do desmatamento e o desmantelamento das agências ambientais estavam “criando incerteza generalizada sobre as condições para investir”.

Desde então, as reuniões virtuais com o vice-presidente do Brasil, Hamilton Mourão, o Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e líderes do Congresso Nacional foram descritas como “positivas”.

“O vice-presidente expressou que o governo está comprometido em manter o desmatamento a um nível historicamente mínimo”, disse Saugestad. “Isso representa um início do diálogo.” Mas ele acrescentou: “Claro que precisamos ver ação na prática.”

Mourão comanda o Conselho da Amazônia e lidera uma operação do Exército para combater o desmatamento e as queimadas. Às vezes, ele é apresentado como um contraponto mais moderado em relação ao “fogo e enxofre” que é o seu chefe, Bolsonaro. No entanto, em julho do ano passado, Mourão disse ao The Guardian, durante um evento, que as mudanças climáticas estavam “sendo discutidas … se isso é uma mudança sazonal, como já aconteceu na história do Planeta Terra, ou se é algo que veio para ficar”.

Em 2018, o Ministro Salles chamou a crise climática de “secundária”. Em uma reunião de gabinete em abril deste ano – cujo vídeo foi divulgado por um juiz do Supremo Tribunal Federal –, Salles recomendou que o governo usasse a atenção da mídia na pandemia da Covid-19 para enfraquecer as regulamentações ambientais – exatamente o que ambientalistas alegam que o governo já está fazendo. Em setembro passado, durante uma entrevista a jornalistas estrangeiros, o ministro da Fazenda, Paulo Guedes, disse ao The Guardian que “ainda há uma base científica precária” para a ciência das mudanças climáticas

Estas visões radicais não caíram nada bem para os membros deste grupo de 29 investidores internacionais nervosos.

“Todos os países terão que reagir à maneira como a comunidade internacional de investimentos vê as coisas”, disse Eric Pedersen, chefe de investimento responsável da Nordea Asset Management. “Se isso é realmente o que eles pensam, então eles estão realmente muito isolados em relação à comunidade internacional.”

Não é provável que Bolsonaro se importe muito. Há muito tempo ele faz declarações controversas sobre a Amazônia e o que ele vê como interesse europeu em explorá-la, e não preservá-la. Ele não mostra sinais de que irá amenizar sua posição.

Em julho passado, ele respondeu ao aumento do desmatamento ao demitir o chefe do Instituto brasileiro de Pesquisas Espaciais (INPE), órgão governamental responsável pelo monitoramento do desmatamento. Após o país apresentar o maior número de incêndios desde 2010, incêndios estes que se espalharam pela Amazônia em agosto passado, o que causou uma tempestade internacional de críticas, Bolsonaro acusou falsamente o ator Leonardo DiCaprio de dar dinheiro para incendiar a floresta.

Ele disse que o Brasil estava sendo injustamente criticado pelo aumento do desmatamento em consequência de interesses comerciais, acusação para a qual o presidente não forneceu provas. “A Europa é uma seita ambiental”, disse ele.

A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, repetiu a acusação no mesmo mês. “Há uma articulação política lá no exterior contra o Brasil”, disse ela, citando tensões sobre o acordo comercial entre os blocos do Mercosul e da União Europeia, que países como a Áustria sinalizaram que não ratificarão.

O governo brasileiro tem um plano para combater o desmatamento, como observou a Ministra. Trata-se da regularização dos títulos de terras de até 97 mil pequenas propriedades, algumas das quais estão lá, argumentou ela, desde que a ditadura militar brasileira, que incentivou a migração amazônica na década de 1970. Mourão disse a repórteres estrangeiros em 15 de maio que a confusão com a propriedade da terra foi uma das principais causas do desmatamento. “[Se] não sabemos quem é o dono da terra, não podemos trazê-los à justiça”, disse ele.

No entanto, ambientalistas discordam. Dizem que regularizar tantos títulos de terra, muitos dos quais foram resultado de invasões de terras públicas ou protegidas, significa recompensar a grilagem de terras. E a legislação atual já permite que as terras ocupadas até 2011 sejam regularizadas, disse Brenda Brito, especialista em terras e pesquisadora do grupo amazonense sem fins lucrativos Imazon.

Na verdade, o Brasil já sabe quem está por trás de grande parte do desmatamento da Amazônia, disse a especialista – embora muitas multas sejam ignoradas. Um estudo publicado em maio pela MapBiomas – um grupo sem fins lucrativos de universidades, ONGs e empresas de tecnologia que estuda a Amazônia – descobriu que mais de três quartos dos alertas de desmatamento emitidos em 2019 ocorreram em terras cujo proprietário estava registrado em um sistema autodeclaratório.

O governo argumenta que o desenvolvimento da Amazônia proporcionará empregos e evitará que as pessoas que lutam para escapar da pobreza destruam a floresta em busca de madeira, minerais e terras. Em maio, Mourão disse que o Brasil precisava de ajuda internacional para se desenvolver em um “novo modelo econômico para o século XXI. Tem que incluir biodiversidade, inovação e muita tecnologia para atingir todo o seu potencial”, disse.

Na última terça-feira, 23, mais de 600 funcionários do Ibama escreveram uma carta aberta ao presidente da organização, Mourão, bem como ao presidente do Supremo Tribunal Federal e líderes do Congresso, afirmando: “Embora outras medidas governamentais para gerar emprego e renda na região amazônica não possam ficar de lado, sem uma ação firme contra os crimes ambientais, as taxas de destruição da floresta amazônica não diminuirão”.

Os funcionários da agência estão proibidos de falar com a mídia. Os principais funcionários foram demitidos, essencialmente, por fazerem seus trabalhos, além de serem atacados por Bolsonaro por queimar equipamentos pertencentes a madeireiros e mineiros, como os agentes do órgão são legalmente obrigados a fazer.

Fonte: anda.jor.br ( foto: internet )

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