Elys Marina | Redação ANDA
Amanda Perobelli | Reuters
Um estudo realizado por
30 pesquisadores de órgãos públicos, de universidades e de organizações
não-governamentais estima que, ao menos, 17 milhões de animais vertebrados
morreram em consequência direta das queimadas no Pantanal no ano passado.
As vítimas recorrentes
foram as pequenas cobras, principalmente as aquáticas: mais de 9 milhões de
mortes.
O estudo que ainda não
teve a sua publicação em revista científica, foi submetido ao periódico
Scientific Reports, do grupo Springer Nature, e está sob análise de outros
cientistas. Os pesquisadores dizem que esse estudo é precursor no uso da
“técnica de amostra de distâncias em linhas” para o cálculo de mortes dos
animais em queimadas.
O método é baseado nos
transectos: trilhas em linha reta através de áreas pré-determinadas pelos focos
de incêndio no bioma. Cada linha percorrida tinha entre 500m e 3km. Ao todo, o
grupo percorreu 114 km de transectos.
Nos trajetos lineares,
as carcaças avistadas eram registradas com datas e coordenadas geográficas,
assim como a distância perpendicular de cada uma delas em relação à linha de
referência.
Quanto mais longe do
transecto, menor a quantidade de animais encontrados. Possuindo a ciência do
comportamento dessa probabilidade, os pesquisadores conseguiram criar um modelo
matemático para avaliar o número de carcaças presentes na área. Dessa maneira,
possibilitou a modelagem de estimativas que o grupo considerou confiáveis para
o cálculo da densidade de animais mortos.
“O método é diferente,
ele se baseia no conhecimento da probabilidade de detectar um animal a
diferentes distâncias da linha. É uma estratégia moderna para corrigir o erro
de “detectabilidade”, que é a probabilidade de enxergar o animal quando ele
está presente na área em que se passa”, explica Walfrido Moraes Tomas,
pesquisador da Embrapa Pantanal e coordenador do estudo.
Os 17 milhões de
animais vertebrados são uma subestimativa, porque muitos animais que vivem em
tocas ou dentro de ocos de árvores podem ter morrido nesses locais sem terem
sido avistados. Há também o caso de vertebrados muito pequenos que podem ter
sido completamente calcinados pelo fogo intenso.
A busca em campo era
realizada em até 72 horas após o início de cada foco do incêndio, mas a maioria
dos casos foi catalogado entre 24 e 48 horas. A estimativa abrange o período
entre janeiro e novembro de 2020. No ano passado, o Pantanal foi consumido pela
maior tragédia de sua história, com a destruição de cerca de 4 milhões de
hectares (26% da área de todo o bioma).
No levantamento os
animais foram divididos em dois grupos, de acordo com o tamanho da carcaça:
pequenos vertebrados (menos de 2kg), como anfíbios, pequenos lagartos, cobras,
pássaros e roedores; e médios para grandes vertebrados (2kg ou mais), como
queixadas, capivaras, mutuns, grandes cobras, tamanduás e primatas.
Foto: Reprodução | G1
As serpentes aquáticas
representaram 60% das vítimas.
“Esses animais possuem
baixa capacidade de locomoção, o que dificulta a fuga durante um incêndio.
Durante a estação seca costumam ficar enterradas em áreas de campo inundáveis.
Quando o fogo atinge uma área úmida seca é bastante comum ocorrer o incêndio de
turfa, que consome a espessa camada de matéria orgânica. Esse tipo de fogo é de
difícil combate e detecção, podendo queimar por semanas e atingir os animais
que habitam esses ambientes”, explicou a bióloga Gabriela do Valle Alvarenga,
pesquisadora da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), participante da
pesquisa.
A biodiversidade do
Pantanal é composta por mais de 2 mil espécies de plantas, 269 peixes, 131
répteis, 57 anfíbios, 580 aves e pelo menos 174 mamíferos. O número de
invertebrados é desconhecido.
Os grandes vertebrados
como cervos, veados, antas e onças não foram observados a partir dos transectos
dada a baixa densidade populacional dessas espécies no Pantanal. Mas foram
frequentemente encontrados durante o trabalho de combate aos incêndios, mortos
ou feridos perto de estradas.
O estudo alerta que as
transformações climáticas provocadas pelas ações do homem têm influenciado a
frequência, a duração e a intensidade das secas na região. O resultado de
seguidas queimadas pode ser trágico e empobrecer ainda mais o ecossistema, que
já é frágil durante o período sem chuvas. O fogo faz parte da dinâmica natural
do Pantanal, mas não nessas proporções.
Foto: Reprodução | G1
Diante da possibilidade
de novos desastres na região, os pesquisadores esperam com o estudo ajudar a
dimensionar os impactos cumulativos causados por incêndios recorrentes no
bioma.
“Esses números dão uma
ideia do cenário das mudanças climáticas. A probabilidade de ter incêndios como
esses é alta. Isso pode acontecer, acontecer, e acontecer, destruindo o
ecossistema”, comenta o coordenador Walfrido Moraes Tomas.
O estudo teve a
colaboração de pesquisadores da Embrapa Pantanal, do Instituto Chico
Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), do Instituto Brasileiro do
Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), do Instituto Nacional
de Pesquisa do Pantanal (INPP), Universidade do Mato Grosso (UFMT),
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Universidade Federal do Rio
de Janeiro (UFRJ), Fundação Meio Ambiente do Pantanal, Instituto Smithsonian
(dos Estados Unidos), entre outras instituições.
Também tiveram
apoio logístico e suporte financeiro de ONGs como WWF Brasil, ONG Panthera,
Instituto Homem Pantaneiro, Ecologia e Ação (ECOA), Museu Paraense Emílio
Goeldi, além da Secretaria de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul e da
colaboração de voluntários.
Foto: Amanda Perobelli | Reuters
Logo no começo dos
levantamentos no ano passado, a falta de verbas trouxe um grande impacto no
planejamento e as ações no campo, e pesquisadores precisaram trabalhar
voluntariamente. Com a repercussão da força-tarefa, chegaram depois recursos de
governos estaduais e ONGs.
O trabalho no Pantanal
foi retomado a pouco tempo em 2021, mas não tem tido suporte financeiro. O
ICMBio conta com recursos próprios para enviar equipes, enquanto outras
instituições dependem de doações.
O veterinário Diego
Viana, integrante do Projeto Felinos Pantaneiros do Instituto Homem Pantaneiro
(IHP), explica que, em um “cenário de guerra” como o do ano passado, o apoio
das pessoas, inclusive financeiro, é muito importante.
“Precisa-se de
combustível, barcos, e carro para deslocamento a grandes distâncias até locais
remotos. No ano passado teve gente doando R$ 2, R$ 5, e isso ajuda. O que
importa, além do recurso, é a vontade de se envolver e colaborar de alguma
forma. Isso nos dá força para continuar. Para nós que trabalhamos com a
conservação do Pantanal, é muito importante fazer parte de pesquisas assim e
ter essa dimensão do quanto o nosso trabalho foi impactado. O Pantanal é
sinônimo de abundância. Desastres como os do ano passado acabam ameaçando todo
o equilíbrio”, afirma.
Por sorte, as queimadas
registradas até agora no Pantanal nos últimos meses não tiveram as mesmas
proporções do ano anterior, cerca de 10% do que queimou em 2020. Os focos de
incêndio em agosto foram poucos e controlados por bombeiros, proprietários de
terras e a população pantaneira. Porém, a época de seca na região se estende
até outubro.
Fonte: anda.jor.br




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