Quando era criança, a psicóloga
americana Melanie Joy tinha um cachorro e adorava animais, mas não deixava de
comer todo tipo de carne. Um dia, almoçou um hambúrguer estragado e começou a
questionar sua relação com aquele alimento.
A essa altura, Joy já era psicóloga,
e estudava a violência no comportamento humano. Passou a se perguntar o que
explicava, do ponto de vista psicológico, o fato de mesmo pessoas que gostam de
animais ignorarem a crueldade a que são submetidos para virarem comida. Hoje
Joy é vegana e vê contradição no seu comportamento de menina.
Em sua tese de doutorado, cunhou o
termo “carnismo”, que ela descreve como “a ideologia que faz com que, todos os
dias, nos comportemos de uma maneira que é totalmente contrária ao que
gostaríamos, sem nem mesmo percebermos que temos opções, participando do
sofrimento de animais”, disse, em entrevista à BBC News Brasil.
Todos deveriam ser vegetarianos ou
veganos?
Veganos são aqueles que não comem nem
usam produtos animais, enquanto vegetarianos apenas se abstêm de comer carne
animal. Veganos não comem laticínios, nem ovos, nem mel, por exemplo. A dieta
dessas pessoas é baseada em plantas. Também só usam no dia-a-dia roupas e
cosméticos que não tenham origem animal. A comunidade vegana vem crescendo nos
últimos anos, principalmente na América do Norte e na Europa, com a adesão de
famosos.
Os principais motivos pelos quais as
pessoas viram veganas são a crueldade a que são submetidos os animais ao serem
mortos para o consumo, o impacto da criação de gado no meio ambiente e questões
de saúde.
No entanto, há argumentos contra o
veganismo. A proteína animal tem elementos necessários para o bom funcionamento
do corpo humano. Sua ausência deve ser substituída por outros alimentos, um
equilíbrio nem sempre fácil de manter. “Não é um tudo ou nada, não precisa ser
perfeccionista. Tente ser o mais vegano que puder, colocar mais alimentos que
não têm origem animal na sua dieta”, diz Joy.
Ela própria reconhece que abandonar a
proteína animal não é uma opção para todos, por motivos econômicos e
geográfico. “Mas cada vez mais gente pode, então, para essas pessoas, comer
animais é uma opção. Nos EUA e em Berlim, por exemplo, é muito fácil comer
comida vegana. Sugiro que as pessoas sejam o mais veganas que puderem. Não quer
dizer comer alface para sempre”, diz ela.
Também há ressalvas sobre o impacto
ambiental. A demanda por quinoa, uma boa alternativa à proteína animal,
plantada nos Andes, aumentou tanto nos últimos anos que agricultores plantavam
e replantavam-na muito rápido, o que faz o solo perder fertilidade. Algo
parecido acontece com a soja, cuja plantação requer desmatamento na Amazônia.
Ainda assim, estudo recente da
Universidade de Oxford, na Inglaterra, concluiu que diminuir o consumo de carne
e laticínios é a melhor forma de reduzir seu impacto individual no meio
ambiente. O estudo diz que carne e laticínios respondem por 18% das calorias
que consumimos e 37% da proteína, mas usam 83% da terra voltada para a
agricultura e produzem 60% das emissões de gases de efeito estufa. Os
cientistas também concluíram que mesmo carnes e laticínios que provocam baixo
impacto ambiental ainda assim são menos sustentáveis do que a plantação de
legumes e cereais.
A psicologia do carnismo
“O carnismo usa mecanismos de defesa
que distorcem nossa percepção e nossos sentimentos, nos desconecta da nossa
empatia natural pelos animais, de modo que agimos contra nossos valores morais
sem perceber”, diz Joy.
Ela cita mecanismos psicológicos de
distanciamento. “Não sentimos o nojo, a tristeza que sentiríamos se víssemos o
animal ser morto. Um exemplo desse mecanismo é a desindividualização: vemos
animais criados para serem comidos como se fossem todos iguais e não tivessem
qualquer individualidade ou personalidade. ‘Um porco é um porco e os porcos são
todos iguais’, pensamos. Isso não é verdade. É tão inverdade quanto dizer que
cães são todos iguais. Mas se não reconhecermos que eles têm preferências,
objetificá-los, vendo-os como coisas, isso tudo torna mais fácil nos distanciarmos
do sofrimento deles. É uma ideologia invisível. Você vê o mundo por essa
lente.”
Para ela, o perigo mora no fato de
que o modo de vida não vegano é visto como natural – pela mídia, pela cultura,
pela legislação, pelo estudo da nutrição. Esses mecanismos mentais vêm de
nossos antepassados, diz ela.
“O ser humano tem uma tendência a
compartimentalizar as coisas. Era como sobrevivíamos no passado. Tínhamos que
determinar rapidamente se alguém era perigoso ou não, se fazia ou não parte do
nosso grupo. Se você é parecido comigo e portanto é alguém seguro, você tem
permissão para estar no meu círculo de preocupação moral. Ou você é diferente e
é percebido como inferior. Há menos empatia por pessoas e bichos que não são
membros do nosso grupo”, diz a psicóloga.
Fonte: BBC
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