Nana Lacerda conta histórias, atua,
escreve, pinta, ilustra, dança e canta pelos animais. Ela nasceu artista e sua
vocação é também uma ferramenta na defesa da libertação de outros seres
sencientes. Agora, a artista lança o CD “Animal Sente”, com 13 músicas sobre
conscientização animal. Em sua casa, localizada em Itatiba (interior de São
Paulo), Nana mantém um micro santuário com 30 animais resgatados. Ela também
possui uma página no Facebook chamada “Vegana É A Mãe”,
um espaço para sensibilizar todas as pessoas que desejam adotar o veganismo.
Aos 11 anos, seu filho Diego Naropa decidiu criar o canal do Youtube “Mini Vegano”
em 2015. Hoje, o canal possui quase sete mil inscritos. Nesta entrevista
exclusiva, Nana tece comentários sobre a relação da arte com o ativismo,
maternidade vegana e seu empenho também na orientação de crianças e
adolescentes.
ANDA: Seu ativismo está relacionado
às suas atividades artistas. Você é atriz, compõe músicas, escreve e ilustra
livros. Gostaria que você falasse mais sobre suas atuações dentro desse campo
no que se refere ao veganismo.
Nana Lacerda – Sim, minha
militância na causa vegana abolicionista em defesa dos direitos animais é
expressa através da arte e eu defino duas razões básicas para essa escolha. Eu
costumo dizer que eu não tive a chance de escolher se seria artista ou não, a
arte veio grudada em cada uma das minhas células. Ela não é o que que eu faço,
é o que eu sou, então a escolha que pude fazer foi como e a serviço do quê usar
essa arte e eu quis dar o melhor destino que consegui encontrar, que é o de
expressar, difundir, espalhar e defender os direitos de seres que tem todas as
suas expressões ignoradas. Uivos, gemidos, lágrimas, movimentos, gestos, como
se não fossem essas expressões suficientes para clamar por seus direitos. O
ARTivismo surgiu para mim, pois quando eu desenho, componho ou danço pela
libertação dos animais, eu não apenas transfiro meus direitos para eles, eu os
amplio e torno mais pleno e significativo esse direito de liberdade. A arte nos
liberta e acho imprescindível estar livre para libertar.
ANDA: Como a arte pode ajudar a
conscientizar outras pessoas sobre o sofrimento dos animais?
Nana Lacerda – Nós humanos damos
muita importância à forma e a tudo o que conseguimos captar, codifica e decodificar
através dos nossos sentidos. O que vemos, ouvimos etc, parece ainda despertar
algum interesse num mundo superlotado de gente e abarrotado de informações. Eu
sou uma contempladora de furacões, a filosofia é a base da arte que produzo,
sempre desejo despertar reflexões e pensamentos novos com toda arte que faço,
independente de ser um texto, uma ilustração ou uma dança… A libertação animal
sem uma revolução é algo impensável e acho necessário que aconteçam infinitas
revoluções de pensamentos e ações para que essa revolucionária ideia de
libertar os animais possa acontecer. Aonde quer que haja uma mente de
escravidão, deve haver outra de libertação e só a arte consegue penetrar nesses
escombros escuros de uma maneira delicada e firme ao mesmo tempo. Nem um único
rabisco é inócuo na arte, ela é sagrada e eu sou muito grata por poder ser
parte da arte e que ela seja parte de mim nessa jornada.
ANDA: No primeiro vídeo do canal Mini
Vegano, o Diego diz: “Eu sou vegano porque a minha mãe me mostrou a verdade”.
Quando e de que forma você mostrou a verdade a ele e como foi esse processo de
conscientização?
Nana Lacerda – Aqui em casa temos
um trato desde sempre: falar a verdade sempre. Isso parece óbvio, num mundo
cada vez mais pautado nas aparências, até mesmo a aparência da verdade pode ser
uma mentira, então nós temos esse pacto. Meus filhos nasceram imersos até os
ossos na filosofia sagrada do Budismo tibetano, então a ideia de não matar
nenhum mosquito e cuidar de todos os seres já era uma prática corriqueira em
nossas vidas, mas quando me informei e descobri o movimento vegano eu me tornei
ativista da noite para o dia e conversei com eles sobre colocar em prática no
cotidiano tudo aquilo que era já tão familiar na teoria. Desse modo, eu assisti
aos documentários e toda sorte de textos informativos sobre o que acontece nos
matadouros, fazendas e outras horrendas formas de explorar os animais. Como já
era de praxe, contei para eles. Primeiro, o meu filho Diego quis assistir, eu
disse que era muito impactante e que se ele já tinha consciência e disposição e
não quisesse ver, não era necessário. Porém, ele insistiu, pegou o iPad e foi
para o quarto. Horas depois, voltou de lá ativista, chegou na cozinha chorando
muito, me deu um abraço e disse que as crianças não deviam mais ser enganadas,
que elas tinham o direito de saber a verdade sobre a dor dos animais. Com minha
filha foi um pouco mais complexo, pois ela era amazona e sofreu muito para se
desvencilhar dos equívocos sobre a exploração dos cavalos. Depois de poucos
meses de conversas e de convivência com o ativismo, ela naturalmente
compreendeu e, no dia das mães de 2016, estávamos todos na rua, num ato no qual
eu estava de carne humana na bandeja, meu filho no megafone, minha filha na
panfletagem e meu marido registrando. O compromisso do ativista é imenso, pois
não se pode ensinar o que não se sabe.
ANDA: Como surgiu a ideia de criação
do canal? Você orienta o Diego de alguma forma na seleção e abordagem dos
conteúdos?
Nana Lacerda – O canal surgiu
porque um dia meu filho conversava com uma amiguinha que o questionou sobre ele
não comer carne, então ele disse que animais não são comida e ela não entendeu.
Depois de um tempo. ele me disse: “Mãe, as crianças não sabem de onde vem a
carne, alguém tem que contar, tem que falar a verdade pra elas!” Eu disse que
sim e perguntei quem poderia fazer isso, então ele disse: “Eu! Você pode gravar
um vídeo pra eu postar no seu Facebook?”. Fomos para o quintal e gravamos o
primeiro vídeo, aquele em que ele está no jardim, eu postei no Facebook e em
menos de duas horas o vídeo tinha viralizado, aí as pessoas pediam para
compartilhar e pediam novos vídeos, foi quando abrimos o canal e eles foram
criando mais vídeos. Eu oriento quanto à responsabilidade de se informar, estudar
e criar conteúdos sérios para não dizer bobagens ou propagar falácias, no mais,
eles mesmos se viram. O canal é muito simples, não temos técnica, muito menos
patrocinadores e tudo é muito nossa realidade.
ANDA: Hoje o canal, que surgiu em
dezembro de 2015, possui quase sete mil inscritos. Como tem sido a recepção do
público?
Nana Lacerda – O canal Mini
Vegano é feito com muita simplicidade, nossa técnica é a mais tosca (risos) e não
visamos nada comercial, nem fama ou reputação, apenas a mesma intenção do
primeiro vídeo: falar a verdade para as crianças e, se possível, de forma
divertida e sem rodeios. Eles criaram umas esquetes de paródia de uma mãe
especistas falando com o filho e ficou bem engraçado. Ele gosta de fazer
receitas de comidas e eu até participei do mais recente vídeo do canal. O
público é extremamente simpático a uma criança vegana, apesar de uma excelente
repercussão, são raros os haters e as crianças nos procuram com frequência
pedindo orientações, dicas e parceria.
ANDA: O veganismo ainda desperta
muito preconceito e, no caso de crianças, isso é ainda mais agravado. Muitas
vezes, os pais são considerados irresponsáveis por uma série de estereótipos e
pela ignorância. Qual é a sua experiência como uma mãe vegana com um filho que
optou por esse estilo de vida quanto a isso?
Nana Lacerda – O mundo virou uma
bomba relógio, eu chamo de “Zumbizário” ou “The Walking Dead Reality” (risos) e
é claro que militar por uma causa tão recente, e que defende seres que todo
mundo quer explorar de um jeito ou de outro, intensifica a crítica e a
rejeição, que já viraram uma constante na sociedade. São quase oito bilhões de
pessoas se acotovelando no planeta por um lugar ao sol, todo mundo on-line
falando o que bem entende e esse acesso sem limites sobre todas as informações
nos coloca no lugar de tutores, como meros administradores dessas informações
que vão chegar até nossos filhos, indiscriminadamente. Acontece que primamos
por criar uma pauta de valores muito fortes e de contornos bem definidos e. por
incrível que pareça, essa postura parece ter formado uma boa blindagem. Sabemos
que não é impenetrável às más (péssimas) línguas ou talvez porque nossa
capacidade de renúncia seja suficiente para não disputarmos nada que envolva
dinheiro, mas o fato é que somos pouco incomodados pelo preconceito. Outra
questão muito forte é nosso compromisso com a ética e a busca por evolução nos
faz aceitar certas coisas que, para outras pessoas menos convictas, poderiam
ser um grande problema. Por exemplo, o fato de todos os nossos parentes terem
nos afastado da vida deles por esse preconceito citado, incluindo meus pais,
irmãos e os do meu atual marido também, mas nós achamos engraçado, a gente não
se abalou a mínima com isso, pois o que não faltou foi gente pra nos pedir
acolhida como se fossem uma imensa família. Somos artistas, fazemos música,
shows, performances, vlogs, quem perde com esse afastamento? Saber enfrentar as
perdas advindas das escolhas faz parte da vida de todo mundo.
ANDA: Como artista e mãe, você tem a
oportunidade de conviver com outras crianças e adolescentes e contar a elas
sobre o sofrimento dos animais. Percebe diferenças na maneira como as crianças
reagem a isso em relação aos adultos? Há menos resistência em aceitar essa
realidade?
Nana Lacerda – Sou atriz e
contadora de histórias há mais de 10 anos. Tive uma companhia de teatro por
quase cinco anos e o que mais fiz foi contar certas “verdadezinhas” nem sempre
muito convenientes às crianças e pais. Também fui professora de biologia quando
jovem e sou a irmã mais velha de cinco filhos. Contar verdades complexas para
crianças e adolescente fez de mim uma espécie de cúmplice confidente dos
pensamentos deles. Tenho tanta certeza do bom caráter receptivo das crianças e
adolescente que todo meu trabalho hoje se destina a dar poder a eles, para que
eles mudem o mundo. Tem um texto nosso com ilustrações em H.Q. em processo que
se chamará “Crianças que mudam o mundo”. No entanto, isso não me imuniza de
passar por situações bem ruins, como o caso de um menino da idade do meu filho
que me seguia nas redes sociais e pedia mil orientações. Eu sempre pontuava a
importância dele se manter convicto sem ser agressivo e passava as orientações
até que um dia a mãe dele me abordou e me escorraçou da vida do menino,
alegando que ela era quem escolhia o que o filho ia fazer etc e me bloqueou da
vida do menino, mesmo eu alegando que teria com ele todo carinho e consideração
que tenho pelo meu próprio filho. O meu filho ficou muito indignado, mas
precisamos respeitar os limites que a sociedade escolheu.
ANDA: Frequentemente, até mesmo o
núcleo familiar se transforma em um espaço de conflitos, distanciamentos e até
rompimentos quando se trata de veganismo. Como lidar com isso? Acredita que há
alguma forma de tornar esse espaço mais harmônico no que se refere a esse
assunto?
Nana Lacerda – É como eu disse, o
mundo está caótico, há um grito esganiçado da natureza clamando por uma
revolução de paz e, no entanto, fomos criados e incitados à guerra, criamos um
mundo de tecnologia de comunicação sem antes treinarmos nossas crianças para a
não violência e ainda estimulamos a disputa, a competição e o revide. Sem
contar o quanto despertar a famosa inveja intitulada hoje de forma emblemática
como “beijinho no ombro”, tendo isso como sinalizador de sucesso, tornou a
sociedade perigosa e bélica. As pessoas me parecem carentes, tristes e ávidas e
isso nos desperta compaixão segundo o que aprendemos. Por isso, quando nossos
parentes nos rechaçam, nos sentimos mais pena do que raiva e seguimos nossa
luta. Nosso compromisso é maior. Os animais aguardam em sofrimento e não é
justo protelar esse entendimento. Sempre que nos aborrecemos com alguém,
pensamos na razão pela qual lutamos, e acabamos percebendo que não são nossos
caprichos, gostos, confortos umbilicais que estão em questão e sim a vida,
liberdade, integridade e dignidade de seres que tiveram esses direitos
sequestrados e nosso compromisso nos ajuda a caminhar um dia após o outro.
Fonte: anda.jor.br ( foto: arquivo pessoal )
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