Em sua decisão de
derrubar a lei cearense que regulamentava a terrível prática da Vaquejada,
Marco Aurélio, ministro responsável pela relatoria do caso no Supremo Tribunal
Federal, órgão máximo da Justiça brasileira, disse, como justificativa para seu
voto pela proibição da atividade: “ante os dados empíricos evidenciados pelas
pesquisas, tem-se como indiscutível o tratamento cruel dispensado às espécies
animais envolvidas. Inexiste a mínima possibilidade de um boi não sofrer
violência física e mental quando submetido a esse tratamento”. Daí tira-se que
gerar violência física ou mental a um animal, de acordo com o STF, deve ser
proibido.
A decisão do STF
não pode passar em branco ou como apenas uma decisão particular. Se levarmos em
consideração com seriedade a fala de Marco Aurélio, todas as práticas humanas
mais comuns com animais devem ser proibidas. São inúmeras as terríveis práticas
às quais animais são submetidos pela aparentemente inesgotável sede humana por
modos de satisfação pessoal baseados na exploração e tortura de animais. Isto
passa, por exemplo, pela alimentação, pela fabricação de vestimentas, pelos
testes em animais e pelo entretenimento, sendo a vaquejada apenas mais uma
tenebrosa variedade deste último.
É possível matar
animais sem submetê-los a violência física ou mental? É possível mantê-los
presos, fazê-los de escravos (ou escravas, no caso de vacas leiteiras e
galinhas poedeiras), submetê-los a testes físicos ou psicológicos, deixá-los em
gaiolas ou correntes, transformá-los em mercadorias disponíveis em mostruários
de lojas… sem gerar violência física ou mental? É bem óbvio que não. Sendo
assim, se foi entendido que se deve proibir o que gera tais violências contra
animais, a fala de Marco Aurélio poderia gerar enormes consequências
abolicionistas, para além do caso da Vaquejada.
Em realidade, se a
lei de crimes ambientais de 1998 fosse levada à sério, toda a pecuária, toda a
vestimenta que utiliza pele, couro, seda, penas etc., todo entretenimento que
utiliza animais, todo comércio de animais, toda gaiola, jaula ou corrente já
deveriam estar proibidas, pois seu artigo 32 prevê pena de detenção e multa
para quem “praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais
silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos”.
Muito daquilo que
se considera como aspectos inquestionáveis de nossa cultura, no que se refere
ao modo como os animais são tratados e utilizados – nosso padrão alimentar, por
exemplo -, deve então ser questionado e transformado. Corroborando e elogiando
a decisão do STF contra a Vaquejada, a atual presidente desta casa Carmen Lúcia
disse: “Sempre haverá os que defendem que vem de longo tempo, se encravou na
cultura do nosso povo. Mas cultura se muda e muitas foram levadas nessa
condição até que se houvesse outro modo de ver a vida, não somente ao ser
humano”. Em um programa de TV, ela frisou que impor sofrimento aos animais não
deve ser permitido e que a normalização da violência é um aspecto perverso de
nossa cultura. Este questionamento é um dos mais fundamentais de nosso momento
cultural, como indivíduos e como civilização.
Nossas atitudes com
(contra) os animais ferem, antes de tudo, princípios morais minimamente
respeitáveis, por escravizarem e torturarem seres sencientes. Contudo, ainda
que nem todas as pessoas tenham desenvolvido este senso ético, cabe, no mínimo,
a aplicação da lei. É preciso que este “gancho” seja utilizado: a decisão do
STF é um precedente para todo tipo de lei abolicionista. É hora de pressionar!
Fonte: anda.jor.br DENNIS ZAGHA ( foto: internet )
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