Foto: reprodução
Sendo o
Direito Animal o ramo jurídico no qual animais são sujeitos de
direitos — não bens, nem coisas —, falar em judicialização do
Direito Animal é falar no fenômeno em que os próprios animais vão a juízo para
reivindicar seus direitos.
Como sujeitos
de direitos materiais, os animais também passam a ser sujeitos de direitos
processuais, dentre os quais, o direito de ação, como decorrência lógica
fundamental da garantia do acesso à justiça, atribuída a todos os sujeitos de
direitos — tenham ou não personalidade jurídica —, conforme o
artigo 5º, XXXV, da Constituição.
Trata-se,
inequivocamente, de judicialização, uma vez que ainda há resistência legal e
prática à atribuição plena do status jurídico
de sujeitos a todos os animais, de forma a realizar a universalidade de
proteção prometida pela própria Constituição (artigo 225, § 1º, VII).
A
judicialização do Direito Animal significa, em última análise, a inclusão dos
animais não-humanos em nossa comunidade moral por meio do direito e do
processo.
É possível,
no entanto, sistematizar três fases ou momentos históricos da judicialização do
Direito Animal [1]:
a) Judicialização
primária: é a fase primordial ou embrionária da judicialização, na
qual os animais são defendidos como bens
ambientais. Não se trata, propriamente, de judicialização do Direito
Animal, dado que, ainda, os animais não são considerados sujeitos
de direitos, mas apenas elementos da fauna e da biodiversidade, relevantes
apenas pela sua função ecológica; b) Judicialização
secundária: é a fase intermediária na qual os animais passam a ser
defendidos em juízo como indivíduos conscientes, porém, por meio de ações
titularizadas pelos seus responsáveis humanos, como nas ações contra
condomínios ou em ações de Direito das Famílias [2], além
do recente fenômeno das ações em que se pleiteia o transporte aéreo de animais
de estimação na cabine dos aviões, junto com seus pais humanos [3]; c) Judicialização
terciária ou judicialização
estrita do Direito Animal: é a judicialização do Direito Animal,
propriamente dita, por meio da qual os animais defendem seus direitos em juízo,
representados na forma do artigo 2º, § 3º do Decreto 24.645/1934.
A
judicialização terciária do Direito Animal é novíssima,
iniciada em 2020, com animais não-humanos, notadamente cães e gatos, propondo
demandas de reparação civil, perante a justiça dos estados, representados, na
forma do Decreto 24.645/1934, por seus pais humanos ou por entidades privadas
de proteção animal. As primeiras demandas foram propostas, em janeiro de 2020,
perante as comarcas de Salvador (BA) e de Cascavel/PR [4].
Hoje é
possível encontrar ações de judicialização terciária, com animais demandando em
nome próprio, em vários Estados da Federação brasileira [5].
Momento
importante da história da judicialização do Direito Animal foi o primeiro
julgado de Tribunal de Justiça admitindo a capacidade processual dos animais,
em setembro de 2021, produzido no caso Spike
& Rambo, assim ementado:
“Recurso de agravo de instrumento. Ação de reparação de danos.
Decisão que julgou extinta a ação, sem resolução de mérito, em relação aos cães
Rambo e Spike, ao fundamento de que
estes não detêm capacidade para figurarem no polo ativo da
demanda. Pleito de manutenção dos litisconsortes no polo ativo da ação.
Acolhido. Animais que, pela natureza de seres sencientes, ostentam capacidade
de ser parte (personalidade judiciária). Inteligência dos artigos 5º,
XXXV, e 225, § 1º, VII, ambos da Constituição Federal de 1988, c/c art.
2º, §3º, do Decreto-Lei nº 24.645/1934. Precedentes do Direito
Comparado (Argentina e Colômbia). Decisões no sistema jurídico brasileiro
reconhecendo a possibilidade de os animais constarem no polo ativo das
demandas, desde que devidamente representados.
Vigência d Decreto-Lei nº 24.645/1934.
Aplicabilidade recente das disposições previstas no referido
decreto pelos tribunais superiores (STJ e STF). Decisão reformada.
Recurso conhecido e provido” [6].
Mas,
certamente, o momento culminante de todo esse percurso histórico acaba de
acontecer: foi publicada, em setembro de 2023, a primeira
sentença de mérito de procedência, em ação de responsabilidade
civil, proposta por animais.
Trata-se da
primeira vez que o Poder Judiciário reconhece o direito animal à reparação de
danos morais (ou danos
animais [7]).
É o caso Tom
& Pretinha, a seguir sumariado.
No dia
26/5/2021, por volta das 18 h, uma terça de superlua cheia, o tutor dos animais
resolveu fazer uma fotografia time-lapse do
evento astronômico e aproveitou a ocasião para levar os seus companheiros
caninos para um passeio: a cadela Pretinha,
sem raça definida, e um labrador caramelo conhecido por Tom.
Chegando no
local o tutor retirou os animais da guia, permitindo que eles explorassem o
ambiente, o qual, diga-se de passagem, era um terreno baldio, frequentado por
muitos moradores. Passados alguns minutos, um homem, portando uma arma de fogo,
efetuou vários disparos, sem nenhum motivo aparente, contra os cães.
Imediatamente a Polícia Militar foi acionada, a qual socorreu os cães e os
encaminhou ao atendimento médico veterinário.
Constatou-se
que o cão Tom foi atingido por um disparo em uma das patas, gerando a fratura
do osso olecrano. Já a cadela Pretinha foi alvejada com dois tiros, um no
abdômen e outro na pata direita traseira. Os tiros supostamente foram
deflagrados por uma pistola modelo G2C, calibre 9 milímetros.
Como o autor
dos disparos não forneceu nenhum tipo de assistência às vítimas caninas, elas
ajuizaram, representadas pelo tutor e em litisconsórcio com ele, ação de
responsabilidade civil, pleiteando a reparação pelos danos morais, estéticos e
materiais sofridos, perante a 1ª Vara Cível da Comarca de Porto União/SC, sob o
n° 5002956-64.2021.8.24.0052.
O juízo
estadual, em sua primeira decisão, afirmou que os animais são coisas, pois eram
propriedades do seu tutor, mas não houve exclusão de Tom e Pretinha do polo
ativo da demanda. Foi realizada a citação do réu, sendo designada a audiência
de conciliação ou de mediação do artigo 334 do CPC, a qual restou infrutífera.
Em
contestação, o réu alegou, preliminarmente, que Tom e Pretinha não possuíam
“legitimidade ativa” (rectius:
capacidade de ser parte), pois eles não são pessoas naturais, violando a regra
insculpida no artigo 70 do CPC. No mérito, disse, em síntese, que agiu em
legítima defesa, pois os dois cães teriam um comportamento violento, os quais
foram instigados a atacar um terceiro cão, chamado Colt, que estava sob os
cuidados do réu, pelo que realizou os disparos com a finalidade de repelir um
eventual ataque.
Na decisão de
saneamento, o juízo mostrou sinais de mudança de entendimento, reconhecendo que
os animais são sujeitos de direito. Foi realizada audiência de instrução, com a
inquirição das partes e de testemunhas. Houve manifestação do Ministério
Público, como custos
iuris, o qual, no curso do seu parecer, em interpretação bastante
conservadora, afirmou que os animais “embora
sejam seres dotados de sensibilidade e protegidos de qualquer forma de
crueldade, os aspectos que lhes envolvem dizem respeito ao direito de
propriedade, especificamente o direito das coisas”.
Com esse
breve sumário do processado pelo juízo cível, adveio a sentença de mérito,
julgando parcialmente procedentes os pedidos.
Ao contrário
do que defendeu o réu na contestação e do que entendeu o Ministério Público em
primeiro grau, a sentença afirmou a legitimidade dos animais para pleitear os
seus direitos em juízo, tomando, como base, o já referido julgado da 7ª Câmara
Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, no caso Spike
& Rambo.
Quanto ao
mérito, o juízo a
quo afastou a tese da legítima defesa alegada pelo réu,
reconhecendo as lesões sofridas pelos autores não-humanos, com base nos
documentos juntados nos autos. O réu foi condenado ao pagamento de indenização
pelos danos materiais sofridos pelo tutor com as despesas veterinárias e ao
pagamento de indenização pelos danos morais dos animais, esta última no importe
de R$ 1.000 para cada um dos cães.
Importante
salientar que a sentença deixou claro que o
valor da indenização por danos morais pertence aos animais, pelo
que deverá ser usufruído em benefício exclusivo deles próprios.
A sentença
assim registrou: “Pelas
suas condições, de animais, referido valor de indenização deverá ser usufruído
pelos autores (se ainda vivos), através de tratamentos dedicados exclusivamente
a eles, como por exemplo, banho, tosa, massagem, tratamento estético, petiscos,
alimentação etc, que deverá ser pago pelo requerido à clínica ou profissional
que fornecer os serviços, à escolha do dono”.
Não obstante,
ainda que a sentença tenha sido correta e adequada no reconhecimento da
capacidade de ser parte dos animais e do seu direito à reparação civil por
danos morais, ela foi, no mínimo, curiosa, em relação à negativa de indenização
por danos estéticos, argumentando que “(…)
a fixação do dano estético em favor dos animais não é possível, considerando
que são simples animais domésticos, não voltados a desfiles, exposições,
fotografias para comerciais ou publicações e não dotados de especial beleza
estética como se vê das fotografias apresentadas”.
Nesse ponto,
a sentença acabou criando uma espécie de discriminação negativa, ao fundamentar
que apenas aqueles que obtêm lucro com a sua imagem é que merecem a tutela
jurisdicional quanto aos danos estéticos sofridos, ou seja, Tom e Pretinha
precisariam ser tal como, “celebridades caninas” para ter o direito à proteção
das suas características estéticas (avaliadas subjetivamente pelo julgador).
Os autores
recorreram da decisão, pleiteando a reforma parcial da sentença, mediante a
majoração das indenizações por danos materiais e morais, além da concessão da
indenização pelos danos estéticos.
Ainda que
possa ser criticável a parte da sentença que negou a indenização por danos
estéticos aos animais vitimados pela conduta do réu, é certo que a decisão
marcou a história do Direito Animal, como a primeira sentença de mérito de
procedência da fase de judicialização terciária, a admitir a reparabilidade
civil dos danos morais sofridos por animais.
No célebre
caso Spike
& Rambo, que originou o primeiro julgado de Tribunal de
Justiça admitido a capacidade processual dos animais, a sentença de primeiro
grau foi de improcedência quanto à reparabilidade civil por danos morais aos
animais, já tendo transitado em julgado [8].
A sentença do
caso Tom & Pretinha já
estipulou os caminhos que deverão ser adotados na fase de cumprimento de
sentença, determinando que o proveito econômico seja revertido em prol do
bem-estar dos animais, mediante procedimento por ela mesma definido.
Por outro
lado, o Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina terá a oportunidade de
ladear a vanguarda aberta pelo Tribunal do Paraná, reafirmando a capacidade
processual dos animais e, indo além, decidindo sobre a extensão dos danos
sofridos por Tom e Pretinha, inclusive no que tange à reparabilidade dos danos
estéticos sofridos pelos animais.
Tom e
Pretinha são protagonistas da atual fase de judicialização do Direito Animal,
prenunciando mudanças no senso comum teórico dos juristas brasileiros e a
efetivação de uma real justiça interespécies.
Mais uma vez
vale lembrar aqui a célebre frase do grande escrito russo, Fiódor Dostoiévski: “Quantas
ideias já houve na Terra, na história humana, que ainda uma década antes eram
inconcebíveis, mas de repente chegou sua hora misteriosa e elas se manifestaram
e se espalharam por toda a Terra?” [9]
Fonte: Conjur
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