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Uma série de
protestos e ações civis públicas movidas por representantes do Ministério
Público e organizações ambientais tenta impedir o leilão de petróleo marcado
para a próxima semana, o qual inclui a oferta de diversos blocos de petróleo
localizados em áreas de extrema sensibilidade ambiental, como os morros
submarinos que formam o arquipélago de Fernando Noronha e o Atol das Rocas, no
litoral da região Nordeste.
Ao menos quatro
ações civis públicas (ACP’s) já foram protocoladas na Justiça, em diferentes
Estados, como Pernambuco, Santa Catarina e Rio Grande do Norte, na tentativa de
barrar essas ofertas incluídas pela Agência Nacional de Petróleo (ANP) no
próximo leilão de exploração marítima, marcado para o dia 7 de outubro.
Reportagem publicada na
quinta-feira, 30, pelo Estadão mostrou que, entre as 92 ofertas de blocos que
serão oferecidas na 17ª Rodada de licitações, estão blocos que têm impacto
direto e sobreposição com algumas das regiões mais importantes do ecossistema
de recifes do Brasil. Trata-se da chamada “Cadeia de Fernando de Noronha”,
região que envolve a sequência de montes submarinos que se conectam no litoral
e que formam o arquipélago de Fernando Noronha e a reserva biológica Atol das
Rocas, que foram reconhecidos em 2001 como Patrimônio Natural Mundial pela
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e Cultura.
Entre as ações judiciais movidas contra a oferta dos blocos está
a ACP baleia azul. Segundo nota técnica elaborada pelo Instituto Internacional
Arayara, a inclusão das bacias Potiguar – que afeta diretamente as regiões de
Fernando de Noronha e Atol das Rocas -, Pelotas, Campos e Santos na 17ª rodada
do leilão atinge, diretamente, locais onde a Baleia Azul e outras dezenas de
espécies em extinção têm seu lar.
No pedido de ação protocolado na Justiça Federal no Distrito
Federal, três organizações pedem uma liminar em regime de urgência para
suspender a realização do leilão, devido ao risco das atividades petroleiras
para a baleia Azul e outras 89 espécies ameaçadas de extinção que vivem nas
áreas a serem exploradas.
O pedido da Ação Civil Pública contra a Agência Nacional de
Petróleo e a União foi protocolado pela Agência de Notícias de Direitos Animais
(Anda), o Instituto Internacional Arayara e a Associação Nacional de Advogados
Animalistas (Anaa).
A baleia azul é o maior animal da Terra, pode atingir até 33,6
metros de comprimento e pesar mais de 140 toneladas. Vive em todos os oceanos e
é um animal considerado solitário pelos cientistas. É comum o registro de
duplas de mãe e filhote, e de grupos pouco numerosos.
“A permissão da realização do leilão já é um risco à vida das
baleias azuis, uma vez que vai conceder direito aos licitantes vencedores de
explorarem o bloco respectivo para encontrar petróleo explorável. (…) Todavia,
é evidente a ocorrência de riscos de danos aos ecossistemas e aos animais
marinhos. Em especial àqueles ameaçados de extinção”, afirmam as Ongs na ação.
Além das ações judiciais, diversas petições também foram criadas
para tentar mobilizar a sociedade civil, como a petição Salve a baleia azul e a
Salve Noronha.
Em Santa Catarina, é forte a mobilização contra as ofertas na
região. Um total de 1.564.328 pessoas do Estado já assinaram a campanha
#SOSLitoralSC e #MarSemPetróleo. Em Pernambuco, 436.128 pessoas assinaram a
campanha #SalveNoronha e #MarSemPetróleo e #SalveaBaleiaAzul.
“O Instituto Internacional Arayara e o Observatório do Petróleo
e Gás, com o apoio da Coalizão Não Fracking Brasil e do Observatório do Clima,
se colocaram na linha de frente e assumiram o compromisso – que deveria ser da
ANP e do Ministério do Meio Ambiente – de proteger estes santuários naturais,
com a ajuda da sociedade civil e de entidades do poder público em defesa da
vida”, declara Juliano Bueno de Araújo, diretor técnico do Observatório do
Petróleo e Gás e do Instituto Internacional Arayara.
Engenheiro e doutor em riscos emergências ambientais, Araújo
chama a atenção para os riscos contra a fauna marinha. “O maior mamífero do
planeta é colocado duramente em risco. A quantidade de blocos e a região onde
se quer colocar as plataformas criaria uma espécie de cerco para as rotas
migratórias desse grande cetáceo e de outras baleias”, comenta.
A ANP nega irregularidades na oferta dos blocos. Questionada
sobre o assunto pela reportagem, a agência declarou que “não foram
identificadas pelos ministérios envolvidos (Meio Ambiente e Minas e Energia)
restrições à oferta dos 14 blocos exploratórios na Bacia Potiguar”.
O oceanólogo Ademilson Zamboni, diretor-geral da Oceana Brasil,
criticou a condução da política ambiental sobre o tema. “Os oceanos têm um
potencial enorme para a produção de energia renovável, pelas ondas e ventos, e
nos oferecem resiliência diante da atual crise climática, além de serem uma
importante fonte de alimentos. Mas ao invés de investir na proteção dos
oceanos, o Brasil corre, com orgulho, para o fim da fila e insiste em fontes
fósseis de energia que colocam os recursos marinhos em risco”, disse.
Assim como em 2019, quando foram ofertados blocos de petróleo
próximos a Abrolhos, o leilão agendado para o dia 7 de outubro oferece riscos
para os ecossistemas marinhos na região dos montes submarinos que conectam o
arquipélago de Fernando de Noronha e a Reserva Biológica do Atol das Rocas, diz
Ademilson Zamboni. “É preciso que esses riscos sejam evitados.”
Márcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima,
também lamenta as prioridades da agenda energética. “Daqui a poucos dias, a ANP
vai leiloar novos blocos para exploração de petróleo e gás no litoral brasileiro,
mais uma boiada que vai na contramão da urgência para a substituição dos
combustíveis fósseis, demandada com vigor pelo último relatório do IPCC (Painel
Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) e pelas próprias tendências do
mercado.”
A ampliação da produção dos combustíveis fósseis, diz Astrini,
não é uma boa ideia nem para empresas, nem para governos, nem para as pessoas e
muito menos para o planeta. “Esse quadro piora ainda mais quando se colocam em
risco áreas ambientalmente sensíveis, como nosso antigoverno teima em fazer.”
O Greenpeace declarou, por meio de nota, que as áreas ofertadas
“mostram uma espécie de negação estratégica que chancela a falta de
planejamento e visão de futuro” sobre a energia no Brasil. “Além de áreas que
se arrastam por anos pela falta de licença (como a Foz do Amazonas) e áreas que
estão continuamente ofertadas, mas há anos sem lances pelo setor (como
Abrolhos), o novo certame insiste em oferecer sem a realização de avaliações
ambientais de áreas sedimentares novas áreas para exploração, o que eleva o
risco para investidores e sociedade.”
Na avaliação de Guilherme Eidt, assessor de Políticas Públicas
do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), o leilão é mais um
indicativo de que o Brasil está na contramão do mundo, que já iniciou a
transição para fontes limpas de energia. “Esta iniciativa compromete ainda mais
a segurança climática do País, pois mantém o Brasil em uma rota ascendente de
emissões do setor de energia. Vale ressaltar que este leilão tampouco alivia a
atual crise energética, posto que investimentos em fósseis só serão concluídos
dentro de vários anos, sem qualquer benefício para o momento presente. Este é
um exemplo dos motivos pelos quais precisamos aprovar com urgência a PEC da
Segurança Climática, colocando esse direito de todos os brasileiros em nossa
Constituição.”
A ANP foi questionada sobre a sobreposição de blocos com montes
da “Cadeia de Fernando de Noronha”, localizados na Bacia Potiguar. Por meio de
nota, a agência responsável pelos leilões declarou que a nova rodada de
licitações foi aprovada após manifestação prévia e conjunta dos ministérios de
Minas e Energia (MME) e do Meio Ambiente (MMA).
Segundo o Instituto Internacional Arayara, porém, a Avaliação
Ambiental de Área Sedimentar dos blocos foi substituída por um parecer conjunto
do Ministério de Minas e Energia e do Ministério do Meio Ambiente, que
“deixaram a ANP à vontade para ignorar os riscos ambientais, sociais e
econômicos à toda a população e biodiversidade brasileira”.
Segundo a ANP, “os normativos em vigor a respeito das diretrizes
ambientais foram cumpridos integralmente” e ajustes pedidos pelos órgãos
vinculados ao MMA foram acatados, além de as informações ambientais “relevantes
e disponíveis” terem sido tornadas públicas.
“Não foram identificadas pelos Ministérios envolvidos (MMA e
MME) restrições à oferta dos 14 blocos exploratórios na Bacia Potiguar
incluídos no Edital da 17ª Rodada de Licitações”, declarou a agência.
O órgão regulador lembrou, porém, que a aprovação dos blocos
para oferta no leilão não significa aprovação tácita para o licenciamento
ambiental. “As informações ambientais existentes acerca de determinada área,
decerto, serão utilizadas por ocasião do respectivo licenciamento ambiental e
não suprem a necessidade de estudos ulteriores, cuja exigência são próprias do
licenciamento ambiental específico de determinado bloco ou área geográfica”,
afirmou.
Até o início de setembro, nove empresas tinham se inscrito para
participar da 17ª Rodada. Além da Petrobras, a lista inclui 3R Petroleum,
Chevron, Shell, Total Energies EP, Ecopetrol, Murphy Exploration &
Production Company, Karoon Petróleo e Gás e Wintershall Dea.
Questionado sobre todos os riscos associados ao leilão desses
blocos, o Ibama declarou que sua “manifestação enviada à Agência Nacional de
Petróleo (ANP) não implica em pré-aprovação ou declaração de viabilidade
ambiental das atividades propostas, tendo em vista que outros quesitos precisam
ser levados em conta para a concessão da licença”.
Na prática, portanto, o Ibama diz que não garante que a
exploração dos blocos seja ambientalmente viável. “Na manifestação, o Ibama não
fez objeções ao leilão, mas recomenda atenção a possíveis impactos na pesca da
região, nos campos biogênicos e ao acúmulo de atividades concomitantes.”
Fonte: anda.jor.br

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