O avião cargueiro que pousou no aeroporto
internacional de Viracopos, em Campinas (SP), no início da manhã da
quarta-feira (16), trouxe consigo a esperança de uma nova vida para Ramba, uma
elefanta asiática com idade estimada de 53 anos.
A chegada ao Brasil é um recomeço na vida do animal, que por décadas
sofreu maus-tratos e foi explorado em circos de países como Argentina e Chile.
O trajeto de avião da capital chilena, Santiago, a
Campinas durou cerca de três horas, tempo considerado habitual em viagens
aéreas entre os dois destinos.
Após pousar em Campinas, Ramba, que pesa 3,6
toneladas, foi colocada em uma carreta e deu início a uma viagem terrestre de
1,5 mil quilômetros em direção ao seu destino final: o Santuário de Elefantes
Brasil (SEB), na Chapada dos Guimarães — primeiro lugar destinado à conservação
de tais animais na América Latina.
O transporte por meio terrestre do Chile ao Brasil
foi descartado, porque os voluntários do SEB consideraram que poderia ser
prejudicial à elefanta, que tem diversos problemas de saúde. Ramba possui
inúmeras cicatrizes no corpo, devido ao uso de correntes por anos, e problemas
renais crônicos, em razão da falta de água potável enquanto atuou em circos.
Para representantes do aeroporto de Viracopos,
inaugurado há quase 60 anos, Ramba foi uma ilustre passageira: foi o primeiro
elefante a desembarcar no local. Uma operação especial foi feita para
recebê-la.
O aeroporto de Campinas foi o
escolhido para receber o animal porque era o único que tinha equipamentos
adequados para recepcionar Ramba.
“A gente tentou o aeroporto de Brasília, por ser
mais próximo de Mato Grosso, mas não tinha equipamentos adequados ao peso dela.
Como Viracopos é referência em descarregamento de cargas mais pesadas, se
tornou a nossa única opção”, diz o biólogo Daniel Moura, um dos diretores do
santuário.
Representantes do SEB afirmam que
foi a primeira vez em que um elefante foi transportado em um avião no Brasil. A
Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) não confirma a informação, pois afirma
que não registra esse tipo de operação. “Não houve nenhuma solicitação de
atuação da Anac no processo [de transporte da elefanta]”, justifica a agência.
Ramba foi a quarta elefanta a chegar ao SEB. Foi o
primeiro resgate internacional do santuário, que planeja trazer outros seis
elefantes da Argentina — ainda sem previsão. As outras três moradoras do SEB
viviam em Estados brasileiros e foram colocadas dentro de caixas de aço e
levadas em caminhões à Chapada dos Guimarães.
O voo da elefanta
Há meses, os responsáveis pelo santuário planejam a
melhor forma de trazer Ramba ao Brasil. Semanas antes da viagem, a elefanta
passou 40 dias em observação, para receber medicações necessárias para a
mudança e para que ficasse comprovado que estava apta a viajar.
Uma caixa de aço foi construída pelos membros do
santuário exclusivamente para a vinda de Ramba. O objeto de cinco toneladas —
com cinco metros de comprimento, três de altura e dois de largura — foi criado
com tubos de contenção que também são utilizados para fazer o cercado do SEB.
A caixa foi levada de caminhão da
Chapada dos Guimarães a Rancágua. Na semana passada, Ramba passou cinco dias
entre a área do Parque Sáfari e o objeto de aço, para que pudesse se adaptar ao
espaço. O principal objetivo era evitar que a locomoção prejudicasse ou
estressasse a elefanta.
Na noite da terça-feira (15), Ramba se alimentou,
entrou na caixa de aço, que foi lacrada e colocada em cima de um caminhão, e
foi transportada em direção ao aeroporto de Santiago. Ela passou pelo setor de
imigração, a caixa foi analisada pela segurança do local e ela foi liberada.
Para que a elefanta entrasse no Boeing 747 que a levou a Viracopos, foi
necessário o uso de equipamentos como um guindaste.
Junto com a caixa de Ramba, outras cargas também
foram colocadas no avião. “Se alugássemos um veículo apenas para levá-la,
ficaria muito mais caro”, explica o presidente do SEB, o americano Scott Blais.
A estimativa do SEB é de que toda a viagem, incluindo transporte aéreo e
terrestre, custou cerca de R$ 600 mil — valor obtido por meio de doações.
Blais e a veterinária Laura Paolillo, voluntária do
SEB, acompanharam Ramba no avião cargueiro. “Ela parecia bem e tranquila antes
do voo, apesar do estresse por estar em um avião com barulhos altos. Depois do
pouso, ela continuava tranquila. Não sei se ela conseguiu compreender o
conceito de voar e que saímos do chão. Mas ela foi ótima, melhor do que
esperávamos”, relata o presidente do santuário.
Durante a viagem, Blais e Laura levaram um
sedativo, caso necessário. Porém, eles relatam que devido ao bom comportamento
de Ramba, ela viajou acordada e não foi necessária nenhuma intervenção.
Quando o avião pousou em Viracopos, por volta das
6h30, a caixa de Ramba foi retirada com a ajuda de um loader, equipamento que
puxou o objeto de aço por uma esteira. Em seguida, o equipamento reduziu a
altura até ficar rente ao chão.
O aeroporto de Viracopos preparou uma operação com
diversos equipamentos, como guindaste e empilhadeira, para o transporte da
caixa. 30 pessoas aguardaram o animal no terminal de cargas, para oferecer os
cuidados necessários.
Desafio logístico
Em solo brasileiro, Ramba passou por inspeções de
órgãos ambientais, como o Ibama — ela passou pelos mesmos procedimentos no
Chile, pouco antes de embarcar. Em seguida, se alimentou e descansou. A
elefanta permaneceu em Viracopos por mais de quatro horas.
Por fim, Ramba foi erguida por um guindaste em
direção à carreta. Ali, seguiu viagem por dois dias, em direção ao santuário. A
carreta que a transportou foi escoltada por duas viaturas da Polícia Rodoviária
Federal (PRF) de São Paulo.
Na tarde desta sexta-feira (18), Ramba chegou ao
SEB. Por ali, terá o apoio de médicos veterinários, tratadores de animais e outros
profissionais para ajudá-la a viver dias tranquilos.
No santuário, Ramba se juntou às elefantas
asiáticas Maia e Rana, que possuem cerca de 50 anos — não existem dados
oficiais sobre as datas em que as três nasceram, apenas estimativas.
O santuário recebeu as primeiras moradoras, Maia e
Guida, que faleceu em junho deste ano, em outubro de 2016. Em dezembro de 2018,
Rana chegou ao lugar. Antes de serem levadas a Mato Grosso, as três foram
exploradas e alvos de maus-tratos em circos.
Atualmente, 29 hectares da fazenda do santuário
estão disponíveis para as elefantas asiáticas. A expectativa é de que chegue a
80 hectares nos próximos anos. Uma nova área também deve ser aberta para
receber elefantes africanos, em outra parte, para evitar conflitos. O SEB não é
aberto a visitações, para não incomodar os animais.
Os membros do SEB escolheram Chapada dos Guimarães
para abrigar o santuário por considerarem que é o lugar mais adequado para a
iniciativa. “Avaliamos mais de 100 propriedades, em todo o Brasil. A fazenda de
Chapada era a mais adequada para os animais”, afirma o biólogo Daniel Moura.
A vida de Ramba
De meados de 2011 até o início desta semana, Ramba
vivia no Parque Safári do Chile, em Rancágua, na Província de Cachapoal.
No lugar, a cerca de 100 quilômetros de Santiago,
ela recebia ajuda de especialistas e era acompanhada por médicos veterinários.
O espaço era insuficiente para que a elefanta pudesse fazer longas caminhadas.
Antes de chegar ao Parque Safári, a história de
Ramba, a última elefanta de circo do Chile, era marcada por maus-tratos e
descaso. Ela foi comprada na Ásia, ainda filhote, e separada dos pais. A partir
de então, tornou-se alvo de agressões para que se tornasse submissa. A prática
é comum para que elefantes obedeçam a ordens de seres humanos.
Não há informações exatas sobre a chegada dela à
América do Sul. Conforme o SEB, ela estava na Argentina durante a década de 80
e atuou em circos do país. Em 1995, foi levada ao Chile, onde passou a ser
usada em apresentações.
De acordo com os voluntários do santuário, Ramba
viveu uma vida comum a elefantes de circo: fez viagens longas de caminhão,
passou dias presa a correntes e viveu um intenso processo de domesticação, para
fazer apresentações com truques e entreter a plateia.
Em 1997, ela foi confiscada pelo Serviço Agrícola e
Pecuário do Chile, que descobriu que Ramba era alvo de maus-tratos e o circo
não tinha documentos que comprovavam a posse dela. Desta forma, foi proibida de
se apresentar em espetáculos. Porém, por falta de lugar para que fosse
encaminhada, ela permaneceu sob os cuidados dos responsáveis pelo circo.
Somente em 2011, a ONG chilena Ecópolis conseguiu
que Ramba fosse levada ao Parque Safári. A expectativa era de que ela ficasse
no lugar até encontrar um local adequado.
O Parque Safári é localizado atrás da Cordilheira
dos Andes. Esta era uma das dificuldades de Ramba no local, pois ela sofria com
o frio intenso durante o período de inverno.
Em meados de 2016, pouco antes de o SEB receber as
primeiras elefantas, representantes da ONG chilena procuraram membros do
santuário para que Ramba pudesse se tornar uma das moradoras do local. A partir
de então, começaram as tratativas para a vinda do animal ao Brasil.
No fim de 2017, tiveram início os procedimentos
formais para a chegada da elefanta chilena, por meio de solicitações ao
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), ao Ministério da Agricultura e à
Receita Federal.
“Por envolver dois países, a burocracia é ainda
maior. Como a maioria de elefantes de circo não tem uma origem definida, como
uma certidão de nascimento, é mais difícil fazer todo esse procedimento. Por
isso, foram muitas análises dos órgãos, até que a vinda dela fosse autorizada”,
explica Moura.
Os procedimentos necessários para a vinda de Ramba
foram concluídos somente na semana passada, após as emissões de todas as
documentações necessárias. Porém, desde o fim de junho, o santuário, que
funciona por meio de doações de pessoas físicas e empresas do nacionais e do
exterior, iniciou uma campanha para arrecadar recursos para trazer o animal ao
Brasil.
A chegada ao SEB
Por volta das 18h desta sexta, Ramba chegou ao
santuário. Durante toda a viagem, ela não esboçou estresse. Segundo os
voluntários do SEB, a tranquilidade é uma das principais características da
elefanta.
Nos próximos dias, os cuidadores avaliarão se ela
permanecerá próxima às outras duas elefantas. Caso elas desenvolvam uma boa
relação, poderão ficar juntas. Caso contrário, deverão ficar separadas, ao
menos por ora. “Queremos saber como a Ramba, que não vê outro elefante há
décadas, vai reagir diante da Maia e da Rana”, diz Blais.
No santuário, Ramba terá acompanhamento médico para
cuidar de sua saúde, além de dieta, suplementação e espaço necessário para que
possa andar livremente.
“Essa é a chance para a Ramba se recuperar de tudo
o que passou. Ela terá uma alimentação melhor e estará em um ambiente mais
saudável, que irá ajudar a saúde dela. Sabemos que todos os traumas dela e
doenças que enfrenta, principalmente nos rins, são grandes problemas. Mas
esperamos que essas coisas não impeçam que ela tenha, a partir de agora, uma
vida tranquila. Esperamos que, enquanto ela viver, tenha a oportunidade de
aproveitar as coisas que nunca teve”, afirma Blais.
Por Vinícius Lemos
Fonte e fotos : G1




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