Aline Ecker
A
preocupação com o impacto dos dias frios na população de rua em Caxias do Sul —
em abril, por exemplo, cerca de 200 eram acompanhados com regularidade pelo
Centro Pop Rua e outros quase 300 que formavam um grupo flutuante de
desabrigados — fez com que a Pastoral das Pessoas em Situação de Rua criasse um
novo projeto na cidade: a hospedagem solidária. A ação vai além do que os
voluntários já fazem hoje — servir sopa, entregar cobertores e escutar as
feridas da alma de quem quer apenas ser ouvido — ao oferecer um lugar seguro
para o pernoite, com banho quente e alimentação.
O local
escolhido para abrigar temporariamente o público masculino durante a noite é o
salão paroquial da Igreja São Leonardo Murialdo, no Centro. Inicialmente, serão
atendidas cerca de 50 pessoas.
Desde o dia 11 de junho, os moradores já foram abrigados no espaço.
Eles poderão passar a noite no abrigo, jantar e tomar café da manhã antes de
saírem e voltarem à noite. O ginásio do colégio Murialdo estará à disposição
dos moradores para banho e higiene.
A
iniciativa vem ganhando a adesão de diversos voluntários que tem se inscrito a
cada vez que os padres anunciam durante a missa que o projeto está lançado. A
pastoral conta com o apoio das paróquias de Nossa Senhora de Lourdes, São
Pelegrino, Catedral, Pio X, Santa Catarina e São Leonardo Murialdo, além de
movimentos ligados à Igreja Católica, como a Renovação Carismática e o
Seminário São José. A solidariedade uniu também empresários que vão doar
alimentos, roupas, cobertores e participar da preparação das refeições.
Para
implantar a Hospedagem Solidária, a diocese buscou assessoria de uma equipe da
Fundação de Assistência Social (FAS). Por enquanto, o abrigo funcionará apenas
nos meses mais frios, como junho, julho e agosto. Em setembro, será avaliado se
irão manter a hospedagem. A abordagem dos moradores será feita pelas equipes do
Pop Rua, que é a unidade de referência no atendimento aos moradores de rua e
tem ampla experiência ao conversar com esse público. Os voluntários também irão
cadastrar os moradores e encaminhá-los a serviços que estejam precisando, como
confecção de documentos e atendimentos de saúde, bem como tentar retomar
vínculos familiares.
No espaço
também serão desenvolvidas rodas de conversa com informações sobre o cuidado
das pessoas em situação de rua, ações relacionadas ao autocuidado, como corte
de cabelo e manicure, acesso a TV e material para leitura. Haverá ainda momento
de oração e espiritualidade e orientações quanto a outras ações solidárias que
atendem pessoas em situação de rua na cidade.
"Temos
a tentação de tornar essas pessoas invisíveis"
Não é uma
tarefa fácil tirar as pessoas das ruas e restabelecer vínculos que permitam o
retorno ao ambiente familiar. Para o pároco da Igreja Nossa Senhora de Lourdes,
padre Eleandro Teles, a responsabilidade é, em primeiro lugar, do Estado.
Porém, é um dever de todos olhar para essas pessoas e estender-lhes a
mão:
— Esse
compromisso não é apenas do Estado. É um compromisso da sociedade não permitir
que essas pessoas se tornem invisíveis. Diz respeito a todos nós porque
trata-se do cuidado com o ser humano. Temos a tentação de tornar essas pessoas
invisíveis, de virar o rosto para o lado e seguir em frente. Não podemos fazer isso,
temos de dar a elas a dignidade, esse resgate é essencial.
Segundo o
padre, não bastar ir à missa e rezar sem colocar em prática o Evangelho e
seguir os ensinamento da Igreja ao contribuir para que todos tenham uma vida
digna.
— A cada
missa cresce o número de voluntários que querem nos ajudar nesse desafio de
curar as feridas da nossa sociedade. Todos carregam suas marcas, e nosso papel
como Igreja é estender as mão para quem precisa. Não podemos virar para o lado.
Jesus nos humaniza e esse é um compromisso da nossa fé. Juntos, temos de lutar
pelas pessoas que mais precisam de ajuda.
Mudanças
na política assistencial
Entre 2017
e 2018, o munícipio deixou de ofertar cerca de 100 vagas para acolhimento da
população de rua. No ano passado, 40 foram fechadas com a extinção do Acolhe
Caxias para a criação do programa Superação, que estimula as pessoas a deixarem
as ruas por meio da capacitação profissional. Em janeiro deste ano, outros 60
lugares deixaram de ser ofertados junto à Casa de Apoio Celeiro de Cristo, que
atende pessoas em vulnerabilidade no bairro Reolon, com o fim do convênio com a
FAS. A parceria garantia subsídios públicos para custeio de pessoal e
manutenção de parte dos serviços de assistência social.
A
prefeitura, no entanto, alega que as vagas fechadas não necessariamente
impactam no número de pessoas que vivem nas ruas, uma vez que o público que
circulava nas casas de passagem nem sempre era de moradores de rua mas, sim,
pessoas que estavam em Caxias em busca de emprego ou apenas em trânsito pela
cidade.
Atualmente,
a FAS tem duas casas de passagem com 74 vagas para abrigar que vive nas ruas.
Contudo, a demanda por vagas aumenta a cada dia em função do crescimento do
desemprego e do déficit habitacional. A diretora de Proteção Social da FAS, Ana
Maria Pincolini, afirma que hoje há 37 pessoas acolhidas na Casa Carlos Miguel
e 31 na São Francisco, mas reconhece que há um aumento visível de pessoas em
situação de rua.
— A
redução de programas sociais, a revisão de benefícios e o corte de repasses
acaba aumentando o número de pessoas que vivem em situação de rua. Há cidades
da região que tiveram que reduzir os serviços e isso impacta diretamente em
Caxias do Sul. Percebemos um aumento no número de crianças e adolescentes nas
ruas também, e isso é reflexo dessa situação que atinge todo o país —
analisa.
Ela
defende a prevenção como forma de mudar essa realidade:
— A pessoa
demora um tempo até chegar na rua, e o caminho inverso é ainda mais longo.
Temos que investir em prevenção e trabalhar o antes, para evitar que as pessoas
cheguem às ruas, de onde é muito mais complicado tirá-las. Elas tem
resistência. O que leva uma pessoa a rua? Esse é o nosso desafio. Talvez se
tivéssemos mais casas de passagem e todas estivessem lotadas, o problema não estaria
sendo resolvido na raiz. A hospedagem solidária irá se somar aos esforços do
poder público para atender essas pessoas em situação de rua. Nós valorizamos
esse projeto e vamos contribuir com nossa experiência e nosso conhecimento —
destaca Ana Maria.
A
prefeitura está mapeando trabalhos realizados por outros grupos no município,
por meio do serviço de abordagem social. Esse mapeamento será usado para
conhecer o público, conversar com essas pessoas e trocar informações, bem como
colocar essas iniciativas em prática pelo bem dos moradores de rua. Será
repassado a eles no abrigo temporário os serviços da prefeitura disponíveis à
população, como psicólogos, assistentes sociais e atendimento de saúde por meio
do Consultório de Rua.
Fonte e foto: PIONEIRO
NOTA DO BLOG: Esse projeto é um ato solidário ao morador de
rua Miguel que em 2012 foi queimado vivo e morreu. O pe Renato Ariotti adotou o cão Scoby e a
cadela Pretinha companheiros da vitima. Então surgiram vários projetos sociais em Caxias do
Sul.
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