Lançada
no ano passado, a iniciativa ainda amarga pouca demanda; para prefeitura, desinformação
é o principal entrave .
Desde
maio de 2017, a cidade ganhou nove centros de acolhida para moradores de rua
com áreas até então inéditas: canis para os pets que acompanham parte dessa
população. Criados graças a uma parceria da prefeitura com a iniciativa
privada, esses endereços dispõem de 98 vagas para cães e gatos. Até agora,
entretanto, o programa não decolou.
Na semana passada, por exemplo,
22 animais estavam alojados nesses pontos, o que representa uma taxa de
ocupação de cerca de 20%. A Secretaria Municipal de Assistência e
Desenvolvimento Social atribui esse cenário à falta de informação. Por isso, em
abril, investiu 8,3 milhões de reais em uma campanha junto à agência nova/sb,
que convocou grafiteiros para estilizar cinco viadutos com mensagens sobre os
albergues pet friendly. Em junho, a ação conquistou o leão de bronze na
categoria outdoor de comunicação efetiva no Festival de Publicidade de Cannes.
Apesar do prêmio, os canis seguem quase vazios.
Em sete meses de operação, o abrigo Prates, no Bom
Retiro, não recebeu nem um bicho sequer. O Santana, no bairro homônimo,
completou seis meses de atividade e atendeu apenas cinco cachorros. O Lapa, na
Vila Leopoldina, há quase um ano em funcionamento, hospedou recentemente sua
primeira mascote, um pit bull. “Muitos moradores de rua desistem de permanecer
aqui ao ver que os animais ficarão no canil, e não com eles no quarto
coletivo”, afirma a gerente do albergue da Zona Oeste, Caroline Azevedo. “O
vínculo é muito forte.”
Ali, com a falta de visitantes, o ambiente de banho
e tosa acabou transformado em área de curativos para os conviventes. A sala do
veterinário virou depósito para produtos de limpeza e higiene. A ideia inicial
era que houvesse um médico voluntário em cada um desses endereços, o que não
acontece. “Contratamos um estagiário de veterinária que ficou por três meses,
mas desde que ele saiu não temos mais ninguém”, conta a gerente do Aricanduva,
na Zona Leste, Maria da Silva.
O
abrigo Santo Amaro, na Zona Sul, possui o maior canil dos nove, com 25 baias
espalhadas por 240 metros quadrados. Em sete meses, acolheu dez cachorros.
“Ainda não conseguimos atender gatos, mas vamos providenciar telas”, prevê o
gerente do ponto, Ítalo Santos. Para o secretário de Assistência e
Desenvolvimento Social, Filipe Sabará, o que justifica essa baixa demanda é uma
visão antiga. “Existe um estigma em relação aos abrigos. As pessoas ainda acham
que eles são insalubres como eram no passado, e não vêm”, explica. “Estamos
trabalhando no convencimento daqueles que realizam voluntariado na rua para
levar suas ações para dentro desses espaços, a fim de estimular a ocupação.”
Do 1,4 milhão de reais repassados
por mês a esses albergues, 2% são destinados aos peludos e gastos
principalmente com comida. Os abrigos ficam responsáveis por comprar a ração,
mas são os tutores que devem alimentar os bichos, banhá-los e passear com eles.
Segundo a prefeitura, redes como as pet shops Cobasi e Petz têm ajudado com
doações de brinquedos e caminhas, além de prestar atendimentos gerais.
Ainda de acordo com a municipalidade, o Centro de
Controle de Zoonoses (CCZ) e a Coordenadoria de Vigilância em Saúde (Covisa)
vistoriam os espaços e oferecem vacinação e castração. Para o psicanalista da
PUC-SP Jorge Broide, que atua há quarenta anos com a população de rua, é
necessário capacitar as equipes para uma nova realidade.
“Não dá para simplesmente prender o cachorro ali; o
convite para o acolhimento deve ser feito aos dois, com afeto”, diz. “Os
animais foram humanizados pelos donos.” A moradora de rua Lucilene Ilda, 35,
levou seu cão, Bob, ao Aricanduva e ficou preocupada com a separação. “Ele é da
rua, maloqueiro igual a mim, não pode ficar preso”, disse, antes de aceitar
permanecer no local.
O centro de acolhimento Família, na Bela Vista, é o
único que está com lotação completa, com treze cães. O espaço, montado em uma
garagem, não recebe sol e cheira mal, além de ter bichos com sarna. O canil não
é dividido em baias. Em uma briga recente, um dos cachorros teve uma orelha
ferida. “Quando soltamos os quatro cães grandes no pátio, precisamos prender os
pequenos”, explica o gerente Diego Pereira, que já registrou no local duas
mortes de pets por cinomose.
Boa parte das onze famílias que
vivem ali, com sete crianças e quatro adolescentes, veio da Praça 14 Bis. Sara
Martins, 48, mora lá faz quase um ano. Pela primeira vez, encontrou um ambiente
que aceitasse suas quatro mascotes: Rex, Estrela, Spike e July. “Aqui, eles dão
ração apenas uma vez por dia. Compro mais com meu dinheiro”, conta. “Esses cães
vivem comigo há catorze anos. Já me salvaram de ser atacada por um pit bull que
fugiu da coleira”, lembra ela, mostrando orgulhosa a carteira de vacinação de
cada um deles, cuidados por um veterinário voluntário que ela conseguiu.
Por Adriana Farias
Nenhum comentário:
Postar um comentário