Fotos : Joel Silva/Folhapress
Pouco antes do início da montaria, o
touro insiste em ficar no curral em que está. Minutos se passam e dois homens
que tentam levá-lo para a arena começam a chutá-lo, sem sucesso.
Um deles resolve enrolar o rabo do
animal e puxá-lo. Também não dá certo. Mais alguns minutos se passam até que os
homens consigam puxar e levar o animal ao local para o qual não ele queria ir.
A situação aconteceu em Santa
Gertrudes, um dos três rodeios em pequenas cidades paulistas em que a Folha
esteve nas últimas semanas.
Os outros dois, em Cafelândia e
Iacanga, também foram marcados por fatos que, para entidades de proteção
animal, são considerados maus-tratos. Os rodeios negam.
Som muito alto, animais esperando até
seis horas para serem usados e currais apertados sem ração ou água são rotina
nesses locais.
Sem contar o sedém, principal ponto
de discórdia entre rodeios e ONGs: para elas, a cinta que passa pela virilha do
animal e o faz pular é torturante, enquanto para as festas o instrumento só faz
cócegas —e o boi pula para se desvencilhar dela.
Em Cafelândia, funcionários que atuam
nos bastidores disseram à reportagem que os animais chegaram para o evento às
17h30 e, a partir disso, não receberam alimentação ou água. Num dos locais em
que estavam confinados, havia cinco animais em pé, apertados, sem espaço para
locomoção. O rodeio foi aberto às 21h35, e as montarias terminaram perto da 0h.
Um decibelímetro usado pela Folha
indicou som acima de 100 decibéis no evento, equivalente ao barulho de uma
motocicleta. Em Iacanga e Santa Gertrudes, o som chegou a 115 decibéis, como
num estádio de futebol. Estudos mostram que o ouvido humano pode sofrer lesões
auditivas importantes quando expostos a sons nesses patamares.
“É muito alto para um animal. Bois e
cavalos, cavalos principalmente, têm o ouvido muito mais sensível que o nosso.
É torturante para eles esse barulho, além da confusão com pessoas gritando e
fogos”, diz a advogada Renata de Freitas Martins, que já ingressou com cerca de
dez ações contra rodeios.
Animais chegaram a ser levados para
as montarias em Cafelândia com o uso de condutor elétrico, que causa choques, o
que também é visto como tortura na avaliação da ativista Claudia Carli,
fundadora e diretora da ONG Amor de Bicho Não Tem Preço, que atua contra
rodeios na região de Campinas. “Eles sofrem estresse, pavor. Isso é cultura
pré-histórica.”
Em Iacanga, as montarias começaram às
22h, com animais próximos às caixas de som. Não houve condutor elétrico,
substituído por vara de bambu, mas ao menos dois touros receberam tapas no
cupim antes das montarias.
“Quanto menor [o evento], mais comum
é esse trato com o gado. Isso ocorre nos grandes também, mas de forma menos
explícita. Se acham tudo normal, basta lembrarmos do sedém”, critica Carlos
Rosolen, diretor do PEA (Projeto Esperança Animal).
Os rodeios alegam que a cinta de lã
gera cócegas, não dor, argumento questionado pela advogada Renata Martins. “Se
gera comportamento anormal, está maltratando. Ele pula porque quer tirar
aquilo.”
Para embasar ações, ela afirma que
houve coleta de sangue de animais de rodeios que mostraram níveis de hormônios
indicando estresse, além de pupila dilatada.
“Tiraram os animais dos circos e eles
seguiram existindo. Se colocar um peão fazendo corrida de saco na arena o
público vai ser o mesmo, pois as pessoas vão para ver shows, não montarias”,
diz Rosolen.
Já em Santa Gertrudes, animais também
foram encontrados apertados nos currais, sem comida ou água.
Os três eventos divulgaram em redes
sociais preços de ingressos e grade de shows. Em nenhum foi publicado o nome do
peão campeão.
Os rodeios têm enfrentado severas
críticas nos últimos anos, o que resultou em redução no número de eventos e na
duração de alguns deles. Há os que têm tentado amenizar os pontos criticados,
como Itu, que na década passada assinou acordo com a Promotoria estabelecendo
que os bois fiquem no máximo quatro horas no local, não sejam transportados em
caminhões superlotados e que os shows só comecem após todos deixarem o recinto
e serem analisados por veterinários.
Além disso, eles não são usados em
montarias dois dias seguidos, não ficam perto do som, e a festa não tem fogos.
Não há maus-tratos e som alto não faz mal, dizem organizadores.
REGRAS DA MONTARIA EM TOURO
Objetivo
Peão precisa ficar oito segundos montado no touro para pontuar; se cair antes, a nota é zero
Peão precisa ficar oito segundos montado no touro para pontuar; se cair antes, a nota é zero
Pontuação
São avaliados os desempenhos do peão e do animal, com no máximo 50 pontos para cada um; a soma deles é a nota do participante. Montarias consideradas boas recebem acima de 85 pontos
São avaliados os desempenhos do peão e do animal, com no máximo 50 pontos para cada um; a soma deles é a nota do participante. Montarias consideradas boas recebem acima de 85 pontos
O que não pode
Peão deve usar só uma mão na montaria; se encostar a outra no touro, é desclassificado. Também não é permitido “enroscar” a espora na corda para buscar firmeza
Peão deve usar só uma mão na montaria; se encostar a outra no touro, é desclassificado. Também não é permitido “enroscar” a espora na corda para buscar firmeza
Segurança do touro
Espora pontiaguda é proibida, para não machucar o animal
Espora pontiaguda é proibida, para não machucar o animal
Segurança do peão
Competidor pode optar por usar capacete e/ou colete
Competidor pode optar por usar capacete e/ou colete
OUTRO LADO
Organizadores dos eventos nos quais a
Folha esteve afirmam que não há maus-tratos, que têm vencido na Justiça contra
ONGs e que há inverdades atribuídas aos rodeios.
Renan Rochite, dono da Companhia RR e
organizador da festa de Santa Gertrudes, diz que a situação flagrada pela
reportagem —boi sendo chutado e tendo o rabo torcido— pode ter sido
protagonizada por um mau profissional, e que isso não é rotina. “Não vi, algum
mau profissional pode ter feito isso, mas se vejo mando parar na hora. Se teve,
foi um boi só. Não é recomendado, de forma alguma.”
Ele diz defender os animais, rechaça
que o som alto prejudique os touros e afirma que os fogos são piromusicais, sem
o barulho de bombas. “Eles ficam atrás das caixas de som, e o som vai para a
frente. Só ouvem som alto na montaria, mas são animais acostumados. O boi não
tem audição tão apurada quanto um cachorro ou cavalo, que se assustariam.”
Sobre a falta de água e ração, ele
frisa que bois à noite praticamente não ingerem líquido e que é “lenda” que o
sedém aperte testículos. ”Posso jogar bola dia e noite que não serei igual ao
Neymar. É dom. Animal que não serve para pular não vai servir nunca, é índole.”
Já o organizador da festa de Iacanga,
André Brumati, diz que nunca foi questionado sobre som alto e que os eventos
seguem normas de bem-estar animal. Segundo ele, as varas de bambu usadas não
são para bater nos animais, mas para conduzi-los. “Antigamente tinha choque,
foi uma evolução, as ONGs vieram para evoluir o rodeio em questão de
maus-tratos. Não sou contra.”
Brumati admite que há rodeios com
dificuldades para se manter e que os eventos dependem dos shows. “Se fizer e não
tiver show bom, o pessoal não vai. Antes, [a montaria] era a atração, agora é
[apenas] uma delas.”
A Folha não conseguiu contato com a
direção da festa da cidade de Cafelândia.
Por Marcelo Toledo
Fonte: Folha de São Paulo
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